Li recentemente entrevista do empresário de futebol Jorge Machado, ao jornalista Andreas Muller, editor da Revista Amanhã; conselheiro do Inter e membro do Convergência Colorada. Machado é um profissional bem conceituado, respeitado, com trabalho reconhecido mundialmente e um dos agentes mais experientes do país. Achei importante divulgá-la aos leitores do blog e dividir com todos essa importante leitura, pois é muito esclarecedora e mostra um lado diferente da profissão de agente. Abaixo segue entrevista: O MERCADOR DE CRAQUES
Por Andreas Muller
Quem vê Jorge Machado pela primeira vez sequer desconfia que está diante de um dos mais poderosos empresários de futebol do Brasil. Com os cabelos desgrenhados, a camiseta para fora das calças e os ponteiros de um Tag Heuer cromado no pulso, Machado não se parece em nada com um homem que realiza negócios milionários no mercado da bola – a não ser, talvez, pela semelhança com o craque argentino Maradona. “Se eu uso óculos escuros, me pedem até autógrafo”, diverte-se. Machado bem que tentou se firmar como jogador de futebol. Mas foi fora dos gramados, montando equipes e vendendo atletas, que este gaúcho de Erechim construiu sua verdadeira fama. Hoje, aos 45 anos, Machado é “dono” de 600 jogadores brasileiros e estrangeiros. Em pelo menos duas ocasiões, seus craques foram negociados com a Europa por mais de US$ 30 milhões – o que lhe assegurou um lugar na lista dos 50 maiores empresários de futebol do mundo. Nesta entrevista para Amanhã, Machado conta como é o desafio de administrar a vida de um profissional tão badalado quanto o jogador de futebol. E afirma: não há Lei Pelé capaz de conter a vocação brasileira para formar grandes craques.
AM - O torcedor vê o empresário de futebol como um vilão: um sujeito não muito ético, que acelera a debandada dos grandes jogadores brasileiros para a Europa. Como é possível prosperar carregando esse tipo de imagem?
JM- A verdade é que o torcedor não conhece bem a atividade do empresário. O que o torcedor vê é só o que está em evidência: é o empresário que vende o grande jogador, o Rivaldo, o Rafael Sóbis... e lucra em cima disso. Ninguém vê o outro lado. Hoje pela manhã, enquanto caminhava na esteira da minha casa, eu vi uma reportagem muito interessante na ESPN Brasil. Mostrava que, estatisticamente, 99% dos jogadores brasileiros ganham menos de um salário mínimo. Só 1% ganham mais de R$ 4 mil. E olha que eu estou falando dos que têm clube para jogar. Hoje, quase 15% dos jogadores brasileiros estão desempregados. Mas eu, sozinho, sustento mais de 600 atletas no país inteiro. Preciso disso, faz parte da minha atividade. Mas isso ninguém vê. O nome do empresário só aparece quando surge um grande negócio.
AM -Você “sustenta” os jogadores?
JM- Sim, e alguns deles são garotos de 12 anos. No Mogi Mirim, de São Paulo, tenho 70 moleques. No Internacional, de Porto Alegre, eu tenho parceria com 18 jogadores. Também tem gente no São Paulo, no Flamengo, no Grêmio e em vários outros clubes. Em alguns casos, sustento o garoto e todo o resto da família. Faz parte da atividade. É preciso apostar naqueles que podem vir a ser grandes jogadores. Mesmo assim, não é um negócio simples. A maioria deles nunca estoura.
AM - Quer dizer que a atividade não é tão rentável assim?
JM - Não, não quero dizer isso. A profissão é muito boa, muito rentável. Quando você consegue achar um jogador como o Rivaldo ou como o Pato (Alexandre Pato, revelação do Internacional cujos direitos pertencem ao empresário Gilmar Veloz), é quase como ganhar na Loteria Esportiva. Mas, para isso, você tem de pegar mais de 600 atletas, como eu, para conseguir tirar dois ou três bons negócios por ano.
AM - Você acha que existe má vontade contra o empresário de futebol?
JM - A mídia e os torcedores encaram o empresário pelo lado ruim. Colocam que é aproveitador, que não tem ética etc. Mas pega a CPI do Futebol: 18 dirigentes foram indiciados e nenhum deles era empresário. E todo mundo achava que eram os empresários os vilões da história.
AM - Mas você paga impostos, encargos trabalhistas e essas taxas que qualquer empresa paga?
Por Andreas Muller
Quem vê Jorge Machado pela primeira vez sequer desconfia que está diante de um dos mais poderosos empresários de futebol do Brasil. Com os cabelos desgrenhados, a camiseta para fora das calças e os ponteiros de um Tag Heuer cromado no pulso, Machado não se parece em nada com um homem que realiza negócios milionários no mercado da bola – a não ser, talvez, pela semelhança com o craque argentino Maradona. “Se eu uso óculos escuros, me pedem até autógrafo”, diverte-se. Machado bem que tentou se firmar como jogador de futebol. Mas foi fora dos gramados, montando equipes e vendendo atletas, que este gaúcho de Erechim construiu sua verdadeira fama. Hoje, aos 45 anos, Machado é “dono” de 600 jogadores brasileiros e estrangeiros. Em pelo menos duas ocasiões, seus craques foram negociados com a Europa por mais de US$ 30 milhões – o que lhe assegurou um lugar na lista dos 50 maiores empresários de futebol do mundo. Nesta entrevista para Amanhã, Machado conta como é o desafio de administrar a vida de um profissional tão badalado quanto o jogador de futebol. E afirma: não há Lei Pelé capaz de conter a vocação brasileira para formar grandes craques.
AM - O torcedor vê o empresário de futebol como um vilão: um sujeito não muito ético, que acelera a debandada dos grandes jogadores brasileiros para a Europa. Como é possível prosperar carregando esse tipo de imagem?
JM- A verdade é que o torcedor não conhece bem a atividade do empresário. O que o torcedor vê é só o que está em evidência: é o empresário que vende o grande jogador, o Rivaldo, o Rafael Sóbis... e lucra em cima disso. Ninguém vê o outro lado. Hoje pela manhã, enquanto caminhava na esteira da minha casa, eu vi uma reportagem muito interessante na ESPN Brasil. Mostrava que, estatisticamente, 99% dos jogadores brasileiros ganham menos de um salário mínimo. Só 1% ganham mais de R$ 4 mil. E olha que eu estou falando dos que têm clube para jogar. Hoje, quase 15% dos jogadores brasileiros estão desempregados. Mas eu, sozinho, sustento mais de 600 atletas no país inteiro. Preciso disso, faz parte da minha atividade. Mas isso ninguém vê. O nome do empresário só aparece quando surge um grande negócio.
AM -Você “sustenta” os jogadores?
JM- Sim, e alguns deles são garotos de 12 anos. No Mogi Mirim, de São Paulo, tenho 70 moleques. No Internacional, de Porto Alegre, eu tenho parceria com 18 jogadores. Também tem gente no São Paulo, no Flamengo, no Grêmio e em vários outros clubes. Em alguns casos, sustento o garoto e todo o resto da família. Faz parte da atividade. É preciso apostar naqueles que podem vir a ser grandes jogadores. Mesmo assim, não é um negócio simples. A maioria deles nunca estoura.
AM - Quer dizer que a atividade não é tão rentável assim?
JM - Não, não quero dizer isso. A profissão é muito boa, muito rentável. Quando você consegue achar um jogador como o Rivaldo ou como o Pato (Alexandre Pato, revelação do Internacional cujos direitos pertencem ao empresário Gilmar Veloz), é quase como ganhar na Loteria Esportiva. Mas, para isso, você tem de pegar mais de 600 atletas, como eu, para conseguir tirar dois ou três bons negócios por ano.
AM - Você acha que existe má vontade contra o empresário de futebol?
JM - A mídia e os torcedores encaram o empresário pelo lado ruim. Colocam que é aproveitador, que não tem ética etc. Mas pega a CPI do Futebol: 18 dirigentes foram indiciados e nenhum deles era empresário. E todo mundo achava que eram os empresários os vilões da história.
AM - Mas você paga impostos, encargos trabalhistas e essas taxas que qualquer empresa paga?
JM - Claro. Minha atividade também é feita de forma “tradicional”. Eu pago imposto de renda, tenho empresa constituída, arrecado e trago divisas para dentro do país, como em qualquer outro ramo. Mas é evidente que também tem muita gente mal intencionada nesse negócio. Tem aqueles que garimpam um garoto de 10 ou 11 anos, prometem mundos e fundos e, chega na hora, deixam o atleta e toda a família na mão. Felizmente, os próprios clubes e alguns dirigentes têm trabalhado para evitar esse tipo de problema, até porque eles sabem o quanto isso prejudica o jogador. “Muito jogador de futebol não sabe cuidar do dinheiro. Ele ganha uma fortuna e o que ele faz? Vai lá e compra um posto de gasolina. Só que não conhece nem a cor da gasolina...”
AM - Como se entra nessa atividade? O que é preciso para se tornar um empresário de futebol?
AM - Como se entra nessa atividade? O que é preciso para se tornar um empresário de futebol?
JM - O que é preciso eu não sei. Acho que é importante ter contatos, facilidade de relacionamento. Eu, pelo menos, sempre tive.
AM - No seu caso, como foi?
JM - Eu comecei por acaso, há 13 ou 14 anos. Eu havia largado o futebol (Jorge Machado foi jogador profissional até os anos 90) e inaugurado uma lojinha no interior de São Paulo. Uma noite, eu estava numa churrascaria sem ter o que fazer e, de repente, na mesa do lado, vi o Pinga, um ex-zagueiro que havia sofrido uma lesão muito grave. Eu o conhecia, tinha jogado com ele na categoria infantil do Internacional. Ele me pediu: “Olha, eu joguei em muitos times aqui do interior de São Paulo, será que você não consegue um timinho para eu jogar?”. Então eu liguei para o presidente do Ituano, clube em que eu também havia jogado. Ele gostou da idéia de ter o Pinga e aí eu passei os contatos. Três dias depois, eu recebi um telefonema do presidente do Ituano pedindo o número da minha conta bancária, que ele queria me mandar uma comissão. Foi aí que me deu o estalo. Comecei a procurar jogadores, refazer alguns contatos. E eu conhecia o Branco, o Dunga, o Raí... Todos eles me ajudaram muito a entrar nessa atividade.
AM - Quanto você ganhou no seu primeiro negócio?
JM - Um dos meus primeiros negócios foi com o Ypiranga, de Erechim. Na época, eu conhecia o Antônio Luís Dalprak, que era presidente do clube. Eu levei para ele um ponta-esquerda chamado Alexandre e ganhei R$ 50 de comissão.
AM - Desde então, qual foi o melhor negócio que você já realizou?
JM - Foram dois. Um deles, a venda do Rivaldo, que então jogava no La Coruña, da Espanha, para o Barcelona. Saiu por US$ 32 milhões, na época. A outra grande venda foi a do Fábio Rockembach (ex-atleta do Internacional), que também atingiu os US$ 32 milhões. É lógico que só uma partezinha desses valores ficou comigo. Geralmente, uma negociação desse tamanho tem seis, sete pessoas envolvidas. Mas fiz a minha carreira. Já não consigo mais imaginar o que teria acontecido comigo se eu não virasse empresário. Acho que acabaria como porteiro de bordel. (risos)
AM - Qual é o tamanho do seu patrimônio hoje?
JM - Olha, eu vim do interior e, por princípio, não fico aí dizendo quanto dinheiro eu tenho. Posso dizer que, financeiramente, eu nunca mais tive nenhuma preocupação. Tenho uma vida confortável, que me deixa feliz.
AM - O que é mais difícil na atividade de empresário?
JM - É cuidar do garoto. É manter ele firme no objetivo de se tornar um craque. Eu, como jogador de futebol, só perdia. Nunca ganhei, eu era um derrotado. Hoje, eu uso as minhas derrotas como exemplo para os garotos. O empresário tem de gerenciar a carreira do jogador, ajudá-lo a superar dificuldades. Tem muito jogador bom que, hoje, passa por uma dificuldade enorme porque não sabe se cuidar.
AM - Mas você cuida de tudo? Inclusive os gastos do jogador?
JM - Não, eu não me meto no lado financeiro do atleta. Em geral, os empresários e os dirigentes são paternalistas demais. E o resultado é que o jogador nunca aprende a cuidar do próprio dinheiro. Quantas vezes ouvimos falar de atletas que perderam tudo? Jogador meu não tem conselho financeiro nenhum. Ele gasta o dinheiro como quiser, eu só deposito na conta. Ele precisa entender que quem ganha fácil também perde fácil. Eu procuro lidar mais com a motivação, com o planejamento da carreira.
AM - Você se considera um bom gestor de pessoas?
JM - Na tarefa de gerenciar a carreira de jogador de futebol, eu me considero um doutor. Eu nasci dentro disso. Eu sei quando gritar e quando passar a mão na cabeça. E é uma coisa difícil, hein... A maioria dos jogadores sai de casa com 11, 12 anos e cai direto na vida profissional. Eles queimam etapas e, quase sempre, se tornam pessoas muito carentes. Aí eles pegam o empresário, a sogra ou a própria namorada como “âncora”. É uma relação muito delicada. E quando há lesão, então, nem se fala... Eles perdem totalmente a confiança! Pode ser o Raí, pode ser o Pelé, não importa: jogador lesionado se deprime. Ele perde a glória. Entra no vestiário e ninguém o procura para pedir entrevista. O empresário precisa ajudar nessa hora.
AM - Muitos jogadores têm uma predisposição a cair na noitada... Como se gerencia isso?
JM - Com 20 e poucos anos e uma conta bancária milionária, qualquer pessoa tem predisposição a cair na noitada. O importante é não extrapolar. Tem de fazer a coisa dentro de um limite. Do contrário, são eles mesmos que saem perdendo. Eu não digo que a carreira do jogador é curta, e sim muito longa. Eles vão ganhar, até os 34 anos, o que muitas pessoas não ganham em 70 anos. Eles precisam trabalhar para que toda a sua vida – e não só a carreira – seja estável e os recursos não se acabem cedo.
AM - E como você cuida do seu próprio dinheiro? Onde você aplica?
JM - Minha vida é bem simples. Meu dinheiro está no banco, aplicado. Compro jogador de futebol e vendo jogador de futebol. Não entro em nenhum negócio que eu não conheço. Não construo nada, não arrisco nada. Procuro fazer o trabalho que eu conheço, que eu sei fazer. Tem muito jogador de futebol que ganha uma fortuna e o que ele faz? Ele vai lá e compra um posto de gasolina. Mas o cara não sabe nem qual é a cor de um litro de gasolina! Aí perde quase tudo e, com o que sobra, vai lá e compra uma farmácia... Não dá. É claro que eu recebo propostas diárias de investimento. Mas eu só acredito no meu negócio. “Achar um jogador como o Rivaldo é como ganhar na loteria. Mas, para isso, você vai ter de apostar em uns 600 garotos – sabendo que a maioria deles nunca vai deslanchar”
AM - Até que ponto o sucesso do empresário está relacionado à vigência da Lei Pelé?
JM - A Lei Pelé facilitou, mas não muito. Pessoalmente, eu sou contra. Para o empresário, não adianta nada ter a facilidade para fazer negócio se os clubes estão falidos. Os clubes precisam ter força para formar e comprar atletas. Mas todos os clubes do Brasil, com exceção de dois ou três, estão quebrados. Isso não é bom pra ninguém. Eu fazia muito mais negócio antes da Lei Pelé. As equipes tinham mais poder e eu podia trabalhar em outras áreas, além de compra e venda de jogadores – por exemplo, atuando como olheiro ou montando equipes inteiras. A Lei Pelé permite que um dono de churrascaria vire empresário. Aquele ali é bom? Vai lá e compra. Isso igualou todo mundo por baixo.
AM - E para os jogadores? Houve alguma melhora ou a situação também piorou?
JM - Piorou. Eu aposto com você: se fizermos uma análise estatística, vamos descobrir que tem muito mais jogadores à beira da miséria hoje. Com a Lei Pelé, muitos clubes perderam o interesse de investir na formação do jogador, simplesmente porque ele não dá mais retorno. Antes, eu conseguia me sustentar só com os clubes que assessorava no interior de São Paulo. Eu montava times inteiros e ganhava comissões, dava para me sustentar o ano todo. Hoje, colocar um jogador no interior de São Paulo é difícil, até porque o clube pequeno não tem condições de pagar nada. O Mogi Mirim, por exemplo, era um dos clubes que mais formavam atletas no futebol brasileiro. Hoje, eles só têm a categoria dos juniores, que a Federação Paulista de Futebol obriga a ter. Em outros tempos, eles tinham garotos de 14 a 20 anos. Eram 300, 400 moleques, sendo que 80 deles acabavam se arranjando na vida. Hoje, esses garotos estão na rua.
AM - Mas o futebol brasileiro continua sendo um dos melhores do mundo. De onde estão saindo nossos craques?
JM - Os grandes clubes continuam tendo estrutura de base, de formação. Para segurar um garoto de 16 anos, por exemplo, o clube é obrigado a ter contrato profissional. E o custo disso é de R$ 700 por mês. Os pequenos não têm como bancar.
AM - A proposta de transformar os clubes em empresas ajudará a segurar nossos jogadores aqui?
JM - Olha, temos de parar com esse negócio de achar que estamos “perdendo” jogadores para o exterior. Deixar de vender um jogador como o Pato ou o Lucas (Lucas Leiva, volante do Grêmio) para o exterior seria uma irresponsabilidade. Graças a eles, os clubes daqui conseguem formar novos garotos. Com a Lei Pelé, o Brasil não tem recursos para segurar Pato, Lucas, Robinho, Ronaldinho etc. Não tem condições de segurar ninguém. Com a lei, nós somos só fornecedores.
AM - Mas essa capacidade de fornecimento não está ameaçada com a falência geral dos clubes?
AM - No seu caso, como foi?
JM - Eu comecei por acaso, há 13 ou 14 anos. Eu havia largado o futebol (Jorge Machado foi jogador profissional até os anos 90) e inaugurado uma lojinha no interior de São Paulo. Uma noite, eu estava numa churrascaria sem ter o que fazer e, de repente, na mesa do lado, vi o Pinga, um ex-zagueiro que havia sofrido uma lesão muito grave. Eu o conhecia, tinha jogado com ele na categoria infantil do Internacional. Ele me pediu: “Olha, eu joguei em muitos times aqui do interior de São Paulo, será que você não consegue um timinho para eu jogar?”. Então eu liguei para o presidente do Ituano, clube em que eu também havia jogado. Ele gostou da idéia de ter o Pinga e aí eu passei os contatos. Três dias depois, eu recebi um telefonema do presidente do Ituano pedindo o número da minha conta bancária, que ele queria me mandar uma comissão. Foi aí que me deu o estalo. Comecei a procurar jogadores, refazer alguns contatos. E eu conhecia o Branco, o Dunga, o Raí... Todos eles me ajudaram muito a entrar nessa atividade.
AM - Quanto você ganhou no seu primeiro negócio?
JM - Um dos meus primeiros negócios foi com o Ypiranga, de Erechim. Na época, eu conhecia o Antônio Luís Dalprak, que era presidente do clube. Eu levei para ele um ponta-esquerda chamado Alexandre e ganhei R$ 50 de comissão.
AM - Desde então, qual foi o melhor negócio que você já realizou?
JM - Foram dois. Um deles, a venda do Rivaldo, que então jogava no La Coruña, da Espanha, para o Barcelona. Saiu por US$ 32 milhões, na época. A outra grande venda foi a do Fábio Rockembach (ex-atleta do Internacional), que também atingiu os US$ 32 milhões. É lógico que só uma partezinha desses valores ficou comigo. Geralmente, uma negociação desse tamanho tem seis, sete pessoas envolvidas. Mas fiz a minha carreira. Já não consigo mais imaginar o que teria acontecido comigo se eu não virasse empresário. Acho que acabaria como porteiro de bordel. (risos)
AM - Qual é o tamanho do seu patrimônio hoje?
JM - Olha, eu vim do interior e, por princípio, não fico aí dizendo quanto dinheiro eu tenho. Posso dizer que, financeiramente, eu nunca mais tive nenhuma preocupação. Tenho uma vida confortável, que me deixa feliz.
AM - O que é mais difícil na atividade de empresário?
JM - É cuidar do garoto. É manter ele firme no objetivo de se tornar um craque. Eu, como jogador de futebol, só perdia. Nunca ganhei, eu era um derrotado. Hoje, eu uso as minhas derrotas como exemplo para os garotos. O empresário tem de gerenciar a carreira do jogador, ajudá-lo a superar dificuldades. Tem muito jogador bom que, hoje, passa por uma dificuldade enorme porque não sabe se cuidar.
AM - Mas você cuida de tudo? Inclusive os gastos do jogador?
JM - Não, eu não me meto no lado financeiro do atleta. Em geral, os empresários e os dirigentes são paternalistas demais. E o resultado é que o jogador nunca aprende a cuidar do próprio dinheiro. Quantas vezes ouvimos falar de atletas que perderam tudo? Jogador meu não tem conselho financeiro nenhum. Ele gasta o dinheiro como quiser, eu só deposito na conta. Ele precisa entender que quem ganha fácil também perde fácil. Eu procuro lidar mais com a motivação, com o planejamento da carreira.
AM - Você se considera um bom gestor de pessoas?
JM - Na tarefa de gerenciar a carreira de jogador de futebol, eu me considero um doutor. Eu nasci dentro disso. Eu sei quando gritar e quando passar a mão na cabeça. E é uma coisa difícil, hein... A maioria dos jogadores sai de casa com 11, 12 anos e cai direto na vida profissional. Eles queimam etapas e, quase sempre, se tornam pessoas muito carentes. Aí eles pegam o empresário, a sogra ou a própria namorada como “âncora”. É uma relação muito delicada. E quando há lesão, então, nem se fala... Eles perdem totalmente a confiança! Pode ser o Raí, pode ser o Pelé, não importa: jogador lesionado se deprime. Ele perde a glória. Entra no vestiário e ninguém o procura para pedir entrevista. O empresário precisa ajudar nessa hora.
AM - Muitos jogadores têm uma predisposição a cair na noitada... Como se gerencia isso?
JM - Com 20 e poucos anos e uma conta bancária milionária, qualquer pessoa tem predisposição a cair na noitada. O importante é não extrapolar. Tem de fazer a coisa dentro de um limite. Do contrário, são eles mesmos que saem perdendo. Eu não digo que a carreira do jogador é curta, e sim muito longa. Eles vão ganhar, até os 34 anos, o que muitas pessoas não ganham em 70 anos. Eles precisam trabalhar para que toda a sua vida – e não só a carreira – seja estável e os recursos não se acabem cedo.
AM - E como você cuida do seu próprio dinheiro? Onde você aplica?
JM - Minha vida é bem simples. Meu dinheiro está no banco, aplicado. Compro jogador de futebol e vendo jogador de futebol. Não entro em nenhum negócio que eu não conheço. Não construo nada, não arrisco nada. Procuro fazer o trabalho que eu conheço, que eu sei fazer. Tem muito jogador de futebol que ganha uma fortuna e o que ele faz? Ele vai lá e compra um posto de gasolina. Mas o cara não sabe nem qual é a cor de um litro de gasolina! Aí perde quase tudo e, com o que sobra, vai lá e compra uma farmácia... Não dá. É claro que eu recebo propostas diárias de investimento. Mas eu só acredito no meu negócio. “Achar um jogador como o Rivaldo é como ganhar na loteria. Mas, para isso, você vai ter de apostar em uns 600 garotos – sabendo que a maioria deles nunca vai deslanchar”
AM - Até que ponto o sucesso do empresário está relacionado à vigência da Lei Pelé?
JM - A Lei Pelé facilitou, mas não muito. Pessoalmente, eu sou contra. Para o empresário, não adianta nada ter a facilidade para fazer negócio se os clubes estão falidos. Os clubes precisam ter força para formar e comprar atletas. Mas todos os clubes do Brasil, com exceção de dois ou três, estão quebrados. Isso não é bom pra ninguém. Eu fazia muito mais negócio antes da Lei Pelé. As equipes tinham mais poder e eu podia trabalhar em outras áreas, além de compra e venda de jogadores – por exemplo, atuando como olheiro ou montando equipes inteiras. A Lei Pelé permite que um dono de churrascaria vire empresário. Aquele ali é bom? Vai lá e compra. Isso igualou todo mundo por baixo.
AM - E para os jogadores? Houve alguma melhora ou a situação também piorou?
JM - Piorou. Eu aposto com você: se fizermos uma análise estatística, vamos descobrir que tem muito mais jogadores à beira da miséria hoje. Com a Lei Pelé, muitos clubes perderam o interesse de investir na formação do jogador, simplesmente porque ele não dá mais retorno. Antes, eu conseguia me sustentar só com os clubes que assessorava no interior de São Paulo. Eu montava times inteiros e ganhava comissões, dava para me sustentar o ano todo. Hoje, colocar um jogador no interior de São Paulo é difícil, até porque o clube pequeno não tem condições de pagar nada. O Mogi Mirim, por exemplo, era um dos clubes que mais formavam atletas no futebol brasileiro. Hoje, eles só têm a categoria dos juniores, que a Federação Paulista de Futebol obriga a ter. Em outros tempos, eles tinham garotos de 14 a 20 anos. Eram 300, 400 moleques, sendo que 80 deles acabavam se arranjando na vida. Hoje, esses garotos estão na rua.
AM - Mas o futebol brasileiro continua sendo um dos melhores do mundo. De onde estão saindo nossos craques?
JM - Os grandes clubes continuam tendo estrutura de base, de formação. Para segurar um garoto de 16 anos, por exemplo, o clube é obrigado a ter contrato profissional. E o custo disso é de R$ 700 por mês. Os pequenos não têm como bancar.
AM - A proposta de transformar os clubes em empresas ajudará a segurar nossos jogadores aqui?
JM - Olha, temos de parar com esse negócio de achar que estamos “perdendo” jogadores para o exterior. Deixar de vender um jogador como o Pato ou o Lucas (Lucas Leiva, volante do Grêmio) para o exterior seria uma irresponsabilidade. Graças a eles, os clubes daqui conseguem formar novos garotos. Com a Lei Pelé, o Brasil não tem recursos para segurar Pato, Lucas, Robinho, Ronaldinho etc. Não tem condições de segurar ninguém. Com a lei, nós somos só fornecedores.
AM - Mas essa capacidade de fornecimento não está ameaçada com a falência geral dos clubes?
JM - Nunca. O Brasil é um país em que jogador de futebol dá em árvore. Se você juntar 22 garotos aqui e fizer uma pelada naquela graminha ali, vão sair dois ou três em condições de se tornar bons atletas. É assim que funciona. A renovação do Brasil é uma coisa impressionante. Fonte: Amanhã